Escrito por Noelle Helder
Traduzido e revisado por Gustavo Shintate
O oceano está em perigo, mas (ainda) há esperança
Pesquisadores vêm elaborando um plano ambicioso de três décadas para recuperação dos habitats marinhos, um plano que ajudaria a vida marinha a atingir um futuro sustentável. Se medidas práticas forem tomadas, teremos a chance de evitar danos irreversíveis ao oceano.
O oceano é um ambiente importante para a sustentação da vida, abrigando grande biodiversidade, regulando o clima e sustentando culturas e economias inteiras. Para atender as demandas de crescimento populacional, nos tornamos extremamente dependentes do oceano. O oceano mantém nossos meios de subsistência, desde recursos pesqueiros à proteção da linha de costa contra tempestades, na casa dos 1,5 trilhões de dólares (2010), valor projetado a dobrar até 2030 (The Ocean Economy 2030). Espera-se que soluções para resolver desafios globais baseadas no oceano se tornem ainda mais importantes como fontes alimentares, acesso à água limpa e energias renováveis.
No entanto, muitas espécies marinhas, habitats e até mesmo ecossistemas inteiros têm enfrentado perdas catastróficas bem debaixo dos nossos olhos. A pesca baleeira trouxe enormes quedas populacionais de grandes mamíferos trazendo-os quase à extinção, enquanto que a poluição e a pesca desregulamentada também vem impedindo a produtividade dos oceanos. Os recifes de coral são casos clássicos de degradação, com enormes reduções de cobertura coralina e depredação da estrutura recifal no mundo todo. Outros ecossistemas importantes, como os manguezais, vêm sendo convertidos de habitats produtivos para propriedades com “vista para o mar” com a expansão imobiliária na costa.
Resiliência
De acordo com um novo estudo publicado na revista Nature, uma recuperação significativa dos oceanos pode ser atingida até 2050 se (e é um grande “se”) conseguirmos, de fato, mitigar impactos de estressores ambientais, incluindo as mudanças climáticas. Os autores discutem que o oceano mostrou ter capacidade de recuperação quando estressores são removidos, citando exemplos como recuperação de estoques pesqueiros após as Duas Guerras Mundiais quando a pesca foi restringida e a recuperação de corpos hídricos em decorrência da redução do uso de fertilizantes.
A conservação marinha e políticas públicas de sucesso indicam que o oceano e muitas de suas espécies, podem ser resilientes. A lista vermelha da International Union for Conservation of Nature (IUCN) mostra que a proporção de espécies marinhas ameaçadas de extinção diminuiu de 18% para 11,4% em 2019. Muitos mamíferos marinhos também mostraram recuperações impressionantes. Por exemplo, as baleias jubarte que migram para o leste da Austrália tiveram suas populações reduzidas a pouco menos de algumas centenas de indivíduos em 1968 como resultado da pesca baleeira comercial. Atualmente, os números chegam a mais de 40.000 indivíduos.

Fig. 1 Trajetórias de recuperação ao longo do tempo de algumas espécies marinhas de diferentes partes do planeta. Fonte: Duarte et al, 2020
Regulamentos mais rigorosos também vêm sendo utilizados para proteger e recuperar os habitats em risco. Áreas Marinhas Protegidas (AMPs) são uma das ferramentas mais utilizadas para proteção dos habitats, com proteção de cerca de 7% do oceano. Espera-se que este número continue a crescer até 8% por ano. Além disso, projetos de restauração de habitats como recifes de ostras, florestas de kelp e recifes de corais já são amplamente implementados (veja como projetos de recuperação aumentaram com o passar do tempo).
A luta que nos espera
No entanto, o caminho para a recuperação será longo. O novo plano identifica seis “caminhos para recuperação” que precisam ser implementados em todos sistemas marinhos para que haja sucesso. Estão incluídas a proteção de espécies e espaços, extração inteligente dos recursos pesqueiros, restauração de habitats críticos, redução de poluição e mitigação de mudanças climáticas. Nenhum destes caminhos é o suficiente para provocar uma mudança global por si só. O sucesso é dependente de um esforço sincronizado em que todos os caminhos para proteção são priorizados, usando ferramentas cientificamente comprovadas que atravessam regiões, fronteiras, governos e comunidades. Os desafios que se colocam no caminho da conservação não desapareceram, incluindo (mas não limitado à) falta de fontes de renda alternativas para comunidades pesqueiras, falta de financiamento e aplicação da lei em áreas protegidas, e mudanças climáticas extremamente instáveis.
Mas o que isso significa para os recifes de corais? Infelizmente, ainda há muitos desafios pela frente. Mesmo atingindo estas metas ambiciosas até 2050, espera-se que os recifes de coral e habitats de mar profundo mostram níveis moderados de recuperação, dado que mais tempo é necessário para frear as perdas bruscas que estão enfrentando. Fatores que influenciam o declínio dos recifes, como sobrepesca e poluição, são exacerbados pelo aquecimento climático. Os esforços de recuperação, embora tenham aumentado em escala, tiveram um impacto limitado até então. Agora mais do que nunca, há uma necessidade de desenvolver técnicas para restaurar funções ecossistêmicas importantes para manutenção dos ambientes recifais, transplantando corais para recifes com mais herbívoros para limitar o crescimento de macroalgas ou priorizando recifes que possuem uma fonte conhecida de larvas de coral. Dar atenção a espécies que mostraram resistência ou adaptação às mudanças climáticas deve também ser uma prioridade para dar melhores chances de sobrevivência aos recifes.
Precisamos agir
Apesar de trazer inúmeras notícias positivas sobre o possível futuro do oceano, este plano deve ser visto como um apelo para a ação imediata. Para atingir estes objetivos será preciso um esforço global focado e unificado que prioriza a liderança e envolvimento de comunidades locais e reformas de políticas públicas apoiadas pela ciência. Somos todos participantes chave neste processo e temos a responsabilidade de preservar o futuro do oceano. Precisamos de educadores, políticos, legisladores, pesquisadores, pescadoras e pescadores e jornalistas para fazer parte da luta e advocar por mudança em suas comunidades. Precisamos de funcionários que responsabilizem suas empresas, artistas que criem artes gráficas que despertem a urgência da questão e de empresários que desenvolvam produtos sustentáveis.
E o mais importante: precisamos agora da sua ação.
Leia o artigo aqui:
Duarte, C.M., Agusti, S., Barbier, E. et al. Rebuilding marine life. Nature 580, 39–51 (2020). https://doi.org/10.1038/s41586-020-2146-7
Fontes adicionais:
OECD. The Ocean Economy in 2030 (OECD Publishing, 2016).
IUCN. The IUCN Red List of Threatened Species. https://www.iucnredlist.org/ (accessed 5 April 2020).MPA Atlas. Atlas of Marine Protection. http://www.mpatlas.org/ (accessed 5 April 2020).
