Escrito e Traduzido por Thomás Banha, Revisado por Gustavo Shintate
Corais vêm sendo ameaçados pelo aumento da temperatura dos oceanos, mas alguns locais podem ser considerados como refúgios contra este impacto. Corais em condições marginais no Atlântico Sul apresentam cinco fatores chave que os tornam possíveis refúgios nesse cenário e menos suscetíveis ao branqueamento seguido de morte do que os do Caribe e Indo-Pacífico.
No início de 2019, o Anticiclone Subtropical do Atlântico Sul (o ASAS, uma característica importante na circulação atmosférica) bloqueou as frentes frias no Brasil subtropical, promovendo um período de altas temperaturas incomuns na região. Como resposta, o Coral Reef Watch da NOAA emitiu um alerta de branqueamento de nível 2 sem precedentes para a área. Este local está sob condições marginais, como alta turbidez, temperaturas mais baixas durante o inverno e frentes frias, e presença massiva de turistas nos finais de semana durante todo o ano.
Trabalho no Laboratório do Dr. Paulo Sumida na Universidade de São Paulo, Brasil. Tenho estudado os efeitos da mudança climática nos recifes de coral em ambientes marginais do Atlântico sudoeste por mais de cinco anos. Portanto, com base em nossas observações anteriores, não esperávamos que a onda de calor pudesse ter um grande impacto nas colônias.
Um curso de campo foi programado para a área (veja o mapa abaixo), e pudemos fazer um rápido levantamento das colônias de Mussismilia hispida (a única espécie formadora de recifes que habita a área). Mesmo sabendo que esses corais passam por um branqueamento sazonal (conforme descrito pelo Dr. Miguel Mies e colegas em 2018, veja o artigo abaixo), ficamos surpresos quando vimos a quantidade de colônias branqueadas.
Entramos em contato com alguns pesquisadores para nos ajudar a avaliar a magnitude do branqueamento na área. Durante o pico da onda de calor, avaliamos 1.116 colônias de pontos costeiros e insulares. Quase 80% das colônias estavam branqueadas, a maior prevalência de branqueamento já registrada para uma determinada área de recife no Atlântico Sul. No entanto, menos de 2% estavam mortos, mesmo com valores de Degree Heating Weeks (DHW, uma medida de estresse por calor acumulado) de 18,5 e 20,5 °C-semanas (costa e ilha, respectivamente), os maiores valores registrados durante um evento de branqueamento para todo o Atlântico Sul. Os resultados foram então publicados na revista científica Coral Reefs (ver artigo de Thomás Banha e colaboradores listado abaixo).
Estávamos cientes de que as condições marginais poderiam amortecer os efeitos do estresse térmico, mas percebemos que não havia nenhum artigo científico descrevendo quais características poderiam tornar os construtores de recifes do Atlântico Sul menos suscetíveis ao branqueamento em massa do que aqueles do Indo-Pacífico e do Caribe. Com essa ideia em mente, começamos a coletar e compilar dados e convidar mais pesquisadores para contribuir. Acabamos com cinco características principais que poderiam explicar essa resistência (veja a figura abaixo que resume nossas descobertas):
(i) distribuição batimétrica mais profunda
Uma vez que recifes mesofóticos foram hipotetizados como refúgios para o estresse térmico, o limite de profundidade parece ser um fator chave para a resiliência das espécies. Observamos que os corais do Atlântico Sul e do Caribe têm limites de profundidade mais baixos do que aqueles do Indo-Pacífico. O limite para as espécies do Indo-Pacífico, Caribe e Atlântico Sul é de 30,6 ± 0,7 (média ± erro padrão), 59,5 ± 3,9 e 70,1 ± 9,0 m, respectivamente.
(ii) maior tolerância à turbidez
A adaptação a ambientes com pouca luz ajuda os corais a viver em condições turvas, o que impede a alta irradiância. Quase 60% das espécies do Atlântico Sul são encontradas em condições turvas, contra apenas 16% no Indo-Pacífico e 21% no Caribe. Além disso, as espécies resistentes do Atlântico Sul apresentaram limites batimétricos mais elevados. Assim, as espécies do Atlântico Sul estão bem adaptadas a condições turvas/de pouca luz.
(iii) maior tolerância ao enriquecimento de nutrientes
A nitrificação trabalha em conjunto com as mudanças climáticas e muitas vezes desencadeia impactos negativos nos recifes de coral, como mostrado por Jörg Wiedenmann e co-autores em 2013 (ver artigo abaixo). Usando nitrato como proxy, observamos que a concentração no Atlântico Sul é naturalmente elevada e cerca de 2,5 vezes maior do que no Indo-Pacífico e Caribe, com algumas áreas apresentando concentrações superiores a 5,0 µM. Isso significa que os recifes do Atlântico Sul são mais resistentes e também podem se beneficiar da nitrificação.
(iv) maior resistência morfológica
A morfologia do coral pode ajudar a reduzir os efeitos da temperatura e do estresse de irradiância, com corais massivos sendo mais resistentes. Essa relação foi explicada por Kyle Zawada e colaboradores em 2019 (ver artigo listado abaixo). As formas de crescimento maciço são dominantes e compreendem dois terços das espécies do Atlântico sul. Essa proporção é maior do que nas outras duas áreas.
(v) associações simbióticas mais flexíveis
A flexibilidade das relações simbióticas é extremamente importante ao analisar a tolerância térmica de corais e simbiontes. Isso significa que ter espécies de corais mais generalistas permite que a relação coral-simbionte resista às flutuações de estresse. Os recifes do Atlântico Sul e do Caribe têm uma proporção maior de espécies de corais generalistas do que o Indo-Pacífico. Do ponto de vista das Symbiodiniaceae (aquelas microalgas que vivem dentro dos tecidos dos corais), os recifes do Atlântico Sul têm uma proporção maior (cerca de 60%) de espécies generalistas do que as outras duas áreas.
A figura abaixo resume nossas descobertas, exceto pela flexibilidade da relação simbiótica.
Depois de analisar suas características, comparamos a mortalidade de corais associada a eventos de branqueamento para as três áreas. Os dados mostraram que os construtores de recifes do Atlântico Sul experimentaram proporcionalmente menos episódios de branqueamento resultando em mortalidade de corais, do que tanto o Indo-Pacífico quanto o Caribe, que apresentaram 60 e 50% mais casos de mortalidade, respectivamente. É importante notar que a mortalidade no Atlântico Sul está geralmente associada aos corais de fogo Millepora spp., que não correspondem às características apresentadas anteriormente.
Todos os dados apresentados mostram como os recifes do Atlântico Sul estão preparados para as mudanças climáticas e podem ser um refúgio. Além disso, isso os qualifica como unidades bioclimáticas, que são grandes áreas de recifes de coral que apresentam menor vulnerabilidade ao estresse causado pelo clima e estão bem conectados aos ecossistemas marinhos circundantes, conforme proposto pelo Prof. Ove Hoegh-Guldberg e colaboradores em 2018 (ver artigo abaixo). Atualmente, a maior ameaça aos corais do Atlântico Sul é a falta de programas de manejo eficazes para as áreas marinhas protegidas (MPA) onde são encontrados. Monitoramento intensificado, conservação e projeto adequado de AMPs podem ser o caminho para proteger este ecossistema único.
Mais informações podem ser encontradas no artigo recentemente publicado na Frontiers of Marine Science pelo Dr. Miguel Mies e colaboradores, listados abaixo.
REFERÊNCIAS
Banha et al. (2019). Low coral mortality during the most intense bleaching event ever recorded in subtropical Southwestern Atlantic reefs. Coral Reefs, 1-7.
Hoegh-Guldberg et al. (2018). Securing a long-term future for coral reefs. Trends in Ecology & Evolution, 33(12), 936-944.
Mies et al. (2018). In situ shifts of predominance between autotrophic and heterotrophic feeding in the reef-building coral Mussismilia hispida: an approach using fatty acid trophic markers. Coral Reefs, 37(3), 677-689.
Mies et al. (2020). South Atlantic coral reefs are major global warming refugia and less susceptible to bleaching. Frontiers in Marine Science, 7, 514.
Wiedenmann et al. (2013). Nutrient enrichment can increase the susceptibility of reef corals to bleaching. Nature Climate Change 3, 160–164.
Zawada et al. (2019). Morphological traits can track coral reef responses to the Anthropocene. Functional Ecology, 33, 962–975.